[Roteiro e Gravação: Gustavo Machado] Em Marx, valor NÃO É tempo de trabalho. Hoje existem muito mais estudos e escritos sobre O Capital do que nas décadas anteriores. Isso é muito bom. No entanto, as análises vulgares se proliferam como doença contagiosa. É o efeito colateral inevitável. Paciência!!! Recentemente li um artigo onde o comentarista diz que o valor se define como determinada quantidade de "tempo de trabalho abstrato". A expressão é pomposa, afinal, se é uma quantidade de tempo de trabalho, só pode ser abstrato. No entanto, isso não tem nada que ver com a categoria de trabalho abstrato em Marx, que era pouco afeito a pleonasmos. "tempo de trabalho abstrato" é como dizer "subir para cima" ou "descer para baixo". Quem identificava o valor com o tempo de trabalho era David Ricardo. Não Marx. Para Marx o tempo de trabalho (socialmente necessário, se se quiser) era apenas a medida do valor, sua determinação quantitativa. Mas qual seria a determinação qualitativa do valor? Exatamente o trabalho abstrato. Não é uma picuinha. 60% do primeiro capítulo do livro I de O Capital foi escrito para mostrar COMO, POR QUE MEIOS, DE QUE FORMA o valor era medido pelo tempo de trabalho. Aquilo que Ricardo afirmava dogmaticamente: valor é tempo de trabalho, para Marx era exatamente a pergunta a ser respondida. Como era possível o valor ser medido pelo tempo de trabalho já que o valor das mercadorias não é determinado previamente e conscientemente por ninguém? Aí entra o trabalho abstrato, que não irei resumir por aqui. Só pra se ter uma ideia das profundas consequências desse erro, foi exatamente sobre a falsa concepção de que, em Marx, valor é tempo de trabalho que o maior crítico de O Capital construiu o seu edifício: Eugen Böhm Bawerk, o paladino da Escola Austríaca de Economia. E acreditem, levou mais de 20 anos para que as críticas de Bawerk fossem corretamente refutadas por Issac(k) Rubin. Na sequência do texto desse mesmo comentarista, me deparei com a afirmação de que uma relação social elementar é a "troca do tempo de trabalho por um salário". Aí é a barbárie. Será que é a troca do "tempo de trabalho abstrato" por salário? NÃÃÃO. O salário não se troca por tempo de trabalho, se troca por força de trabalho, por uma determinação subjetiva dos indivíduos, por uma capacidade para fazer algo. O TRABALHO, o uso dessa capacidade que se materializa no TEMPO, NÃO TEM VALOR ALGUM. Aí reside todos os mistérios do modo de produção capitalista. Citações relevantes para o tema: TRABALHO E CAPACIDADE DE TRABALHO SÃO COISAS MUUUITO DIFERENTES “Dizer capacidade de trabalho não é o mesmo que dizer trabalho, assim como dizer capacidade de digestão não é o mesmo que dizer digestão” (Capital I, Boitempo, p. 248). MERCADORIA NÃO É VALOR E USO E VALOR DE TROCA “Quando, no começo deste capítulo, dizíamos, como quem expressa um lugar-comum, que a mercadoria é valor de uso e valor de troca, isso estava, para ser exato, errado. A mercadoria é valor de uso – ou objeto de uso – e ‘valor’ e não possui valor de troca quando considerada de modo isolado, mas sempre apenas na relação de valor ou de troca com uma segunda mercadoria de outro tipo” (Capital I, Boitempo, p. 136). TEMPO DE TRABALHO É APENAS A MEDIDA DO VALOR ¨Os economistas clássicos jamais colocaram a seguinte questão: porque esse conteúdo assume aquela forma, e por que, portanto, o trabalho se representa no valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração temporal, na grandeza de valor do produto de trabalho?” (Capital I, Boitempo, p. 155).
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