O jornalista Orlando Castro acredita que ainda pode haver um volte-face na lista do MPLA, o partido no poder, às eleições gerais. O analista luso-angolano também duvida que as eleições em Angola se realizem em agosto.Sobre o recente anúncio (03.02.) de que o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, sairá da presidência do país e de que o seu nome não consta da lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, para as eleições gerais previstas para agosto de 2017, a DW África conversou com o analista e jornalista luso-angolano Orlando Castro. DW África: Pela primeira vez, e depois de quase 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos não será o cabeça de lista do MPLA às proximas eleições. É um anúncio que "peca por tardio"? Orlando Castro (OC): Mais do que pecar por tardio, eu ainda não dou como certo que ele não seja o cabeça de lista, tal como não dou como certo que as eleições se realizem em agosto. Talvez seja ceticismo a mais, mas estamos habituados ao longo de 41 anos de governação do MPLA e 38 de José Eduardo dos Santos que em Angola nem tudo o que parece é. Portanto, estou a espera de ver para crer, se de facto isto vai ser assim. DW África: Acha que ainda pode haver alguma carta na manga? Por exemplo, a CASA-CE diz que se trata apenas de uma operação de cosmética e que o MPLA é o mesmo de sempre... OC: E é. Com João Lourenço como número um, Bornito de Sousa número dois e Paulo Kassoma em terceiro é exatamente o mesmo MPLA. A jogada que antevejo e que ainda possa acontecer terá a ver eventualmente com a noção que o MPLA tenha de que sem Eduardo dos Santos como número um correrá mais riscos de perder as eleições e, portanto, não me admiraria nada que houvesse aqui um volte-face aqui nessa matéria. DW África: O estado de saúde de José Eduardo dos Santos e uma conjuntura internacional pouco favorável - veja-se o exemplo da Gâmbia - terão sido decisivos para José Eduardo dos Santos sair por sua própria iniciativa? OC: Sim, creio que isso foi fundamental para a decisão dele, caso se concretize essa decisão. O estado de saúde dele é de alguma gravidade, segundo as informações que temos é de muita gravidade, a conjuntura internacional, mesmo a mais perto de Angola é complicada e ele terá pensado em sair enquanto era tempo. Mas é como lhe digo, ver para crer. DW África: De qualquer forma, há membros da família no MPLA, e ao contrário do que se esperava não são os filhos mais velhos, mas a primeira dama Ana Paula dos Santos e a filha do Presidente Tchizé dos Santos. Os interesses da família dos Santos continuam, portanto, assegurados? OC: Continuam porque durante muitos anos dizia-se que o MPLA era Angola e que Angola era o MPLA, agora o MPLA é sobretudo a Sonangol. E empresa estando nas mãos de Isabel dos Santos obviamente que José Eduardo dos Santos, sendo ou não o número um, sendo ou não Presidente, tem a economia na mão, tem a máquina motora na mão. E tendo isso na mão vai ser ele, direta ou indiretamente, a controlar todo o futuro do país, como aliás aconteceu ao longo destes anos todos. DW África: Ficou admirado com o nome de Ana Paula na lista? OC: Não fiquei admirado, aliás a lista, que eu duvido que vá ser esta, acho perfeitamente normal, embora Manuel Vicente esteja aqui muito para baixo... DW África: Isto poder sido um puxaão de orelhas a Manuel Vicente? OC: Isto pode ter sido um puxão de orelhas, mas tenho imensa dificuldade em entender as coisas tal como elas nos parecem que são. Estamos habituados a que qualquer jogada que José Eduardo dos Santos faça, não dá ponto sem nó. É um político muito inteligente, está muito bem rodeado por conselheiros, inclusivamente portugueses, portanto, ele sabe muito bem o que está a fazer e pode, tal como há uns anos fez com João Lourenço, estar a puxar as orelhas ao Manuel Vicente ou Manuel Vicente ter-se prestado a este papel, porque depois haverá mais alguma coisa. É como lhe digo, isto não é, e cada vez mais me convenço disso, nada do que parece ser. DW África: Outra surpresa foi a integração na lista de Vicente Pinto de Andrade, uma das vozes mais críticas da governação do partido e do José Eduardo dos Santos. O que é que se pode esperar? OC: Calculo que seja uma jogada de credibilidade, uma tentativa de dar uma imagem mais credível e de maior substância as propostas do MPLA, mas não me parece que seja muito mais do isso. São políticos que de facto têm credibilidade e pujança política ao nível interno e também internacional e portanto, como operação de marketing funcionou.
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