Depois de um mês a percorrer Bélgica, Áustria e Alemanha, a música cabo-verdiana de BAU & Kapa fez seu último concerto na pequena cidade de Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, no último dia sábado (07.10).Tudo começou em um café de Mindelo, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. Era uma noite como outras. Os dois músicos, Rufino Almeida, conhecido como BAU, e José Carlos de Melo e Pinto, o Kapa, estavam a fazer um pequeno concerto, quando um casal de alemães os convidou para mostrar a música cabo-verdiana na Alemanha. Depois, Markus Leukel, um percussionista alemão que já vive na Ilha há muitos anos, juntou-se a eles. Para formar o que viria a se tornar um quarteto, BAU convidou o baixista que já havia tocado com ele muitos anos ao lado da lendária Cesária Évora, o músico Zé Paris. A ideia era ver o que poderia sair da junção de poucos instrumentos. Uma experiência, como BAU gosta de ver a vida. "Um alemão nos ouviu e fez o convite. Ele disse para o Kapa que tinha um espaço para fazer espetáculos. Como o Markus tem muito conhecimento dessas pequenas salas na Alemanha, ele gostou da ideia. Dos três shows oferecidos pelo alemão, Markus conseguiu fechar mais outros 15", contou BAU em entrevista à DW. As mornas, música tradicional de Cabo Verde, percorreram a Bélgica, a Áustria e a Alemanha durante setembro e outubro. O 18° e derradeiro concerto aconteceu na pequena cidade de Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, no último sábado (07.10). Respeitado por tocar e dirigir os espetáculos de Cesária Évora, e também por compor parte da trilha sonora do filme Hable com Ella, de Almodovar, BAU contou que os arranjos e a harmonia das músicas escolhidas para compor o repertório foram influenciados por ritmos como o jazz, a bossa nova e o fox. "Mas sem perder a essência, conservando a nossa cultura, aquilo que temos", completou o guitarrista. "A ideia é sempre melhorar" Filho de um construtor de instrumentos de cordas, BAU também aprendeu o ofício do pai e ganhou seu primeiro instrumento, um cavaquinho, aos sete anos de idade. Apesar do reconhecimento internacional, nem tudo foram flores durante a sua trajetória. "Quando estamos a iniciar, se não tiveres força de vontade, podes desistir. Mas a própria música se encarrega de dar força. Quando estamos a fazer música, não pensamos nas dificuldades. Depois, sim, quando não temos uma refeição. Aí fica um pouco difícil, mas logo passa. E tem que melhorar, a ideia é sempre melhorar e ultrapassar essa fase". BAU tem fé. Ele diz com convicção que existe um poder superior que está acima de todos. Para ele, a música é uma forma de mostrar que Deus existe. "Música é algo que não se pode explicar, é algo para além das coisas que se pode ver, é muito espiritual. "Eu consigo viajar e ver coisas incríveis. Sem música, a vida seria um pouco triste, pelo menos para mim, revela” Música que se pode ver E é exatamente assim que Kapa também fala da música, como algo que não se pode descrever, mas que se pode sentir e ver. "A música é uma coisa incrível, às vezes nem dá para explicar, entramos em uns níveis ‘assim'... Só estando no palco para saber”, tenta explicar o que sente o cantor que aos oito anos de idade já ensaiava seus primeiros tons. A vida nos palcos foi interrompida por alguns anos, quando Kapa começou a jogar futebol profissionalmente num time da primeira divisão de Portugal. Mas a música falou mais alto. "O momento é estar no palco, sei alguns exercícios vocais, mas eu não faço, não sinto falta. É chegar e cantar", pontua. Kapa diz que tem um momento do concerto em que ele fica extremamente emocionado e que precisa se concentrar muito para não chorar. É quando apenas BAU e ele ficam no palco e eles cantam e tocam "E Morna”. A música é forte, tem acordes profundos e deixa até o mais frio e exigente ouvido arrepiado. E a afirmação do cantor se confirmou: quando "E Morna" começou a ser executada, dois casais levantaram, quebraram o clima formal, e começaram a dançar abraçados. A escuridão do teatro não permitia ver muito. Apenas a mão dele nas costas dela e o corpo dela a se mexer de um jeito que só quem tem o sol na pele desde criança, durante todos os meses do ano, sabe fazer. "Agora, o plano", conta Kapa, "é gravar um CD. Da próxima vez que voltarmos à Alemanha, teremos um CD. Espero que aconteça brevemente", deseja o cantor, que volta para sua ilha com a imagem de uma plateia aplaudindo de pé a música sinestésica de Cabo Verde .
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