A ONU ainda não recebeu a confirmação de Luanda sobre o repatriamento dos 31 mil congoleses que se encontram na Lunda Norte, como avançou o Jornal de Angola. Qualquer regresso "terá de ser voluntário", sublinha o ACNUR.O repatriamento dos refugiados que se encontram em território angolano terá sido acordado sábado (13.01) pelos governos de Angola e da República Democrática do Congo (RDC) e deverá ter início já em março, de acordo com a edição desta segunda-feira (15.01) do diário estatal Jornal de Angola. Porém, até ao momento, o Governo angolano ainda não confirmou o repatriamento ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Em entrevista à DW África, a relações públicas do ACNUR na Lunda Norte, Margarida Loureiro, diz que neste momento não há condições para um "retorno seguro e digno" dos refugiados à RDC, de onde continuam a chegar notícias de instabilidade e violência. Esta semana, as Nações Unidas alertaram para o risco de fome no país devido aos conflitos armados que obrigaram centenas de milhares de agricultores a fugir das suas terras e perder as suas colheitas. Os cerca de 31 mil refugiados provenientes da província central de Kasai procuraram refúgio na Lunda Norte, desde março de 2017. DW África: Numa altura em que da República Democrática do Congo chegam notícias de protestos e do agravamento das condições devido à violência no país, será que este é o momento certo para o repatriamento dos refugiados? Há condições para um retorno destas pessoas em breve? Margarida Loureiro (ML): A posição do ACNUR, tanto em Angola como no Congo, é que não existem condições para um retorno seguro e digno dos refugiados a residir neste momento da província da Lunda Norte, em Angola. A confirmar-se a notícia que saiu nos meios de comunicação - essa confirmação ainda não foi dada por parte do Governo central angolano - a posição do ACNUR é de que não promove o repatriamento nesta altura da situação. DW África: Isso significa que o ACNUR já contactou o Governo de Angola para obter um esclarecimento? ML: Já. Desde que as notícias vieram a público, o ACNUR tem estado em contacto com as autoridades, tanto em Angola como na República Democrática do Congo, e em breve vamos obter, então, as respostas que estamos a aguardar. DW África: Segundo o Jornal de Angola, as autoridades das quatro províncias congolesas mais afetadas pelos conflitos étnico-políticos, Kasai, Kasai Central, Lualaba e Kwango, deverão deslocar-se em fevereiro à província angolana da Lunda Norte, para se encontrarem com os refugiados e tentar sensibilizá-los para o regresso às zonas de origem. O ACNUR não deveria também fazer parte destas negociações? ML: A confirmar-se esta visita ao assentamento do Lóvua, na Lunda Norte, é de todo o interesse do ACNUR participar nessas discussões. Nós já demonstramos a nossa inteira disponibilidade para apoiar e para assistir o Governo nestas eventuais discussões de um repatriamento, que terá sempre que ser voluntário. Angola é signatária da Convenção para os Refugiados e, como tal, também tem vindo publicamente a dizer, já em várias ocasiões, que não promove outra espécie de repatriamento que não seja o voluntário, que os refugiados queiram de facto regressar. E obviamente o ACNUR tem todo o interesse em participar em todas as fases deste eventual processo. DW África: E o ACNUR já recebeu pedidos de refugiados que querem regressar à República Democrática do Congo? ML: Não, até ao momento ainda não recebemos nenhum pedido de repatriamento por parte dos refugiados na Lunda Norte. DW África: Os refugiados porventura já receberam esta notícia, que talvez circule no assentamento. Como é que está a ser recebida a notícia? ML: Neste momento, e tal como o ACNUR, a comunidade refugiada está a aguardar uma confirmação de que estas discussões, de facto, levaram a esta decisão de um possível repatriamento. Estão a aguardar com a calma possível para saber mais pormenores e o que vai acontecer. Sentem alguma segurança pelo facto de as autoridades em Angola terem sempre expressado as suas boas-vindas e não iriam expulsar ou repatriar ninguém do país sem a vontade própria de quem quiser sair. DW África: Calcula-se que atualmente os refugiados se sintam seguros e satisfeitos por se encontrarem no assentamento do Lóvua e não queiram regressar brevemente ao país de origem... ML: O assentamento do Lóvua foi uma ideia, um conceito do Governo, com o apoio do ACNUR, precisamente para criar uma estabilidade que não existia nos centros provisórios de acolhimento dos refugiados aquando da emergência [da instabilidade na RDC], em março e abril e até final de julho [de 2017], quando [a situação] começou a acalmar. Os centros provisórios nunca foram tidos como os ideais. As condições não estavam reunidas para uma vivência digna da comunidade e o Lóvua, que está em construção, proporciona isso. O Governo está a investir fortemente no assentamento. Não é um campo, é uma zona com vilas, com casas, com espaços e com a dignidade que os refugiados merecem, proporcionado também a convivência com as comunidades locais. Os refugiados neste momento sentem uma segurança que não sentiam há muito tempo. O trauma e as vivências do conflito são muito recentes e, portanto, é natural que ainda não demonstrem interesse em regressar.
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